terça-feira, 17 de junho de 2008

Concurso Literário - 2º lugar (ensino secundário) "Mudanças" de Ana Isabel, 11º F

Ainda estava a nascer o sol naquele dia quando acordou. Sentindo o cheiro a café acabado de fazer levantou-se e, sorrateiro, dirigiu-se para a cozinha, uma pata atrás da outra como sempre fizera. Os caracóis da menina pareciam brilhar ainda mais naquela manhã. Parou a contemplá-la esperando que ela desse conta da sua discreta presença. Ficou curioso ao reparar que naquele dia a mãe da menina ainda não se havia levantado. Gostava das suas carícias, da sua voz e até de quando esta, correndo atrás de si, gritava: - “Já fizeste das tuas!” E o gato brincalhão lá fugia para o jardim e aproveitava para dar o seu passeio na relva. Era aquele cheiro a rio que fazia com que nunca se afastasse de casa. No entanto, naquele dia tudo lhe parecia diferente: o ar sorridente da menina desaparecera e as habituais carícias a que tinha direito foram esquecidas. Decidiu então esperar que a menina decidisse o que iria acontecer nessa manhã. Ocupado por estes pensamentos nem reparou que o homem daquela casa não estava – a mão áspera que todos os dias lhe afagava o pêlo havia partido! E não, não era um sonho pois era bem real a tristeza da menina e o ar melancólico da sua mãe que acabara de entrar na cozinha. Olhando pela janela, Gil, como os seus donos lhe chamavam, via o rio surgir por entre as árvores do pinhal onde costumava passear ao fim da tarde a fim de ter o seu merecido descanso após um emocionante dia de peripécias. O seu pensamento foi interrompido pela carícia que a menina lhe fez, tentando desculpar-se por só agora lhe ter dado a devida atenção. Feliz com este afago seguiu a menina até à escola, como sempre fazia. Mas naquele dia, tudo lhe parecia estranho, e o rosto da menina ficava cada vez mais soturno. Aquele que era o seu habitual sorriso dava agora lugar a uma expressão lúgubre. O que lhe teria acontecido? Um autocarro passou por eles e a menina, assustada, parou. Agarrou-o e, a correr, voltou para casa. Creio até que, naquela hora, os seus braços pequeninos se transformaram em asas! Chegados a casa, a menina, sentada no alpendre, começou a soluçar. Afinal era apenas uma criança e uma das suas paixões tinha partido! Com o coração devastado pela ausência do pai a menina começou a cantar uma música triste que deixou Gil, até então indiferente àquela tristeza, emocionado, coisa que nunca lhe tinha acontecido. Era uma voz melodiosa a daquela menina! De tal modo agradável que só poderia ser comparada ao canto dos pardais que costumava perseguir. Dentro do seu peito nasceu uma revolta: por que teria aquela menina de sofrer!? Era-lhe doloroso imaginá-la sequer triste, mais arrebatador saber que se encontrava destroçada. E então partiu. Saltou do seu colo e, sem ela perceber, iniciou a que viria a ser a mais longa viagem da sua vida. Partiu para que também o seu pequenino coração de animal não ruísse, esperando pela hora em que o seu sonho se realizasse: deitado junto ao rio olharia o céu por uma última vez e aquele azul iria penetrar nele e transformar o seu coração de tinta em lindos versos de poesia.

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