segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carnaval

«A mais bela maneira de expressar
Quem sou eu?
Tenho a mais bela maneira de expressar
Sou mangueira... uma poesia singular
Fui ao Lácio e nos meus versos canto à última flor
Que espalhou por vários continentes
Um manancial de amor.
Caravelas ao mar partiram
Por destino encontraram o Brasil...
Nos trazendo a maior riqueza
A nossa língua portuguesa
Se misturou com tupi tupinam brasileirou
Mais tarde o canto do negro ecoou
Assim a língua se modificou.»
(Excerto da letra da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, 2.º lugar no desfile do Rio de Janeiro - Carnaval 2007)

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Concurso da Língua Portuguesa

(Os vencedores)
O Concurso da Língua Portuguesa, organizado pelo CLP na passada sexta-feira, no âmbito da comemoração do Dia da Língua Materna, foi um êxito. De manhã, participaram na eliminatória 201 alunos (45 do 3º ciclo e 156 do secundário). Uma equipa do 9ºA e outra do 11ºC foram, nos respectivos níveis, as grandes vencedoras. Parabéns!

(Os finalistas do 3º ciclo. Agradecemos a preciosa colaboração do prof. Virgílio e do 9ºE, curso de electricidade, a quem se deve a construção da "bancada inteligente e luminosa" para verificar quem seria o primeiro a dar a resposta)

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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Comemoração do Dia da Língua Materna: concurso de língua portuguesa

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O CLP no Jornal de Notícias

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Sarau Cultural BE/ CLP - 27.Fev. 2009

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A Biblioteca Escolar e o Clube da Língua Portuguesa convidam todos a participar no Sarau Cultural que terá lugar no dia 27 de Fevereiro de 2009, pelas 20.30h, no Auditório da Escola.

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"Memorial do Holocausto" por Pedro Meneses

A propósito do Dia Europeu em Memória do Holocausto (27 de Janeiro), um texto muito interessante que o Pedro gentilmente enviou para o nosso blogue:

«Este Memorial do Holocausto, constituído por 2700 monólitos de betão, concebido pelo arquitecto Peter Eisenman e pelo escultor Richard Serra, situado em pleno centro de Berlim, perto do Reichstag, o parlamento alemão, publicamente apresentado em 2004, recria, e representa, todo o sofrimento dos que padeceram nas mãos da Alemanha nazi. Representa por isso uma chaga, que assegura o sentimento de culpa europeu. Nesse sentido, é absolutamente simbólico, ao chegar às vísceras de quem o observa – como, de resto, todo o símbolo chega. É uma evocação da História, que, apesar da sua monumentalidade, ou antes por causa dela, ataca ironicamente a instituição «monumento», como dela se apropriara a Alemanha nazi. Aqui, o monumento chama-nos à razão, apela à réstia de humanidade que avultará no sublime, pelo medo que esta provoque. Dizia o filósofo britânico Edmund Burke que a obra de arte sublime era aquela que nos aterrava pela sua grandeza (lembremos a verticalidade avassaladora da arquitectura barroca, por exemplo, que inspiraria a obediência no crente, esmagado por Deus). Assim sendo, a obra de Eisenman é um acto perlocutório, que nos afronta, apoderando-se do nosso medo, que nos apequena. Também aqui a arte veicula determinados valores sociais – não se compare estritamente a visão de Burke da arte com a que vislumbramos em Eisenman, pois, para aquele, a arte insere-se num projecto político conservador e ditatorial. O que dizemos é que a obra de Eisenman, à sua maneira, é uma advertência, que apequenando-nos, homenageia a democracia, e lança um anátema sobre a cultura ocidental, que reproduz iguais e aterrorizadoras mercadorias. Também aqui é o muito que cria o efeito, e em que o muito tem valor, apesar de a quantidade aumentar insuportavelmente o vazio que representa.

Quem entra neste labirinto, não mais é o mesmo. E o termo «labirinto» não será de todo inocente, posto, mesmo no barroco, represente um processo gnoseológico, em que o leitor, ou aqui o fruidor de arte, descobre. As mais das vezes, esta descoberta era a sua própria limitação, a irredutível condição de um «ser-para-a-morte». Tanto num como na outra, quem constrói a obra de arte, dela extraindo saber, é quem a frui.» (Pedro Meneses)

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Recebemos um prémio "Vale a pena seguir este blogue"

Recebemos o prémio "Vale a pena seguir este blogue" atribuído pelo blogue italiano Utopie Calabresi ( http://www.utopiecalabresi.blogspot.com) de Domenico Condito a quem agradecemos. As regras para os próximos blogues que vão receber este prémio são: 1- Exibir a imagem; 2- Linkar o Blog do qual recebeu o prémio; 3- Escolher 15 Blogues para entregar os prémios e avisá-los.
Assim sendo: http://cicio.blogspot.com http://duroferoamor.blogspot.com http://avidadobruno.blogspot.com http://radiografonola.blogspot.com http://havidaemmarkl.blogs.sapo.pt http://bibliobarcelinhos.blogspot.com http://rabodepalha.blogspot.com http://turma12f.blogspot.com http://portuguesapoesia.blogspot.com http://www.aaz-nj.blogspot.com http://prazer_inculto.blogspot.com http://www.literaturanobrasil.blogspot.com http://caderno.josesaramago.org http://revistamododeusar.blogspot.com http://bibliotecariodebabel.com

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sábado, 14 de fevereiro de 2009

AMOR de Jorge de Sena

(foto de grENDel)
AMOR

Amor, amor, amor, como não amam

os que de amor o amor de amar não sabem

como não amam se de amor não pensam

os que amar o amor de amar não gozam.

Amor, amor, nenhum amor, nenhum

em vez do sempre amar que o gesto prende

o olhar ao corpo que perpassa amante

e não será de amor se outro não for

que novamente passe como amor que é novo.

Não se ama o que se tem nem se deseja

o que não temos nesse amor que amamos

mas só amamos quando amamos ao acto

em que de amor o amor de amar se cumpre.

Amor, amor, nem antes, nem depois,

amor que não possui, amor que não se dá,

amor que dura apenas sem palavras tudo

o que no sexo é o sexo só por si amado.

Amor de amor de amar de amor tranquilamente

o oleoso repetir das carnes que se roçam

até ao instante em que paradas tremem

de ansioso terminar o amor que recomeça.

Amor, amor, amor, como não amam

os que de amar o amor de amar não amam.

Jorge de Sena, in Peregrinatio ad loca infecta, Portugália, Lisboa, 1969 (poema de 1965)

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Hoje, porque sim.

(foto de Bruno Silva)
O que se diz nunca é exacto
nenhuma voz nos dita
o que se passa
Por isso a palavra é uma procura
do que nunca se lhe entrega
e é essa separação que a alimenta
e nela se abre o horizonte
do impronunciável
António Ramos Rosa(in A Intacta Ferida)

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"Bicentenário do nascimento de Darwin" de Letícia Amorim*

A evolução do Homem “começou” numa viagem que durou cinco anos». Quis ser médico, depois sacerdote, mas é o encontro com o botânico John Stevens Henslow, com quem trocou conhecimentos sobre História Natural, que acabaria por determinar o percurso do mais importante naturalista e biólogo da História. Charles Robert Darwin nasceu a 12 de Fevereiro de 1809, em Shewsbury, Inglaterra. Nascido numa família próspera, era fi lho de um médico e, em 1825, foi para Edimburgo estudar Medicina, mas abandonou o curso. Já em Cambridge, onde estudava para se tornar sacerdote anglicano, interessou-se pelo estudo da vida, depois de conhecer o botânico Henslow.
A viagem no “Beagle” Foi Henslow que incluiu Darwin na expedição à volta do mundo, a bordo de um navio que deixou Davenport a 27 de Dezembro de 1831, rumo à América do Sul. Não era para ser Charles Darwin a entrar no navio que ia iniciar a volta ao mundo, naquele fi nal de ano 1831, mas a primeira escolha recusou. Darwin, então um jovem de apenas 22 anos que estava, agora, mais interessado pela natureza, decidiu partir contra a vontade da família. O barco chamava-se “Beagle” e a viagem tinha como objectivo cartografar o globo. Durante quase cinco anos, e apesar da saúde frágil e dos enjoos constantes, Darwin recolheu amostras geológicas, fósseis, fez anotações sobre animais e plantas, numa rota que passou pela América do Sul, por várias ilhas do Atlântico e do Pacífico, pela Austrália e Nova Zelândia. Nas ilhas Galápagos, observou que, apesar de cada ilha ter a sua espécie de tartaruga, todas eram originárias de uma única espécie que se tinha adaptado às condições de vida nas diferentes ilhas. A mesma espécie animal tinha características próprias de uma região para outra e o mesmo acontecia em espécies que tinham milhares de anos de diferença, demonstravam os fósseis. O livro que escandalizou o mundo académico Durante anos, Darwin foi delineando a teoria da evolução das espécies, ideias consideradas revolucionárias e que eram expressas, em segredo, num restrito círculo de amigos. Mas, incentivado pelo trabalho de Russell Wallace, um zoólogo que chegara a conclusões semelhantes, Darwin acabou por publicar, em 1859, um livro “revolucionário” que fi caria conhecido como “A Origem das Espécies”, vinte anos após do fim da sua grande viagem. No entanto, o título original da obra era bem mais extenso: “Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Conservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida”. Entre o coro de reacções escandalizadas com a obra, estavam as dos próprios professores da faculdade que tinham proposto o seu nome para a viagem no “Beagle”. A teoria propunha que o meio ambiente pode determinar as características de uma espécie e a sua sobrevivência ou extinção. Darwin defendia que os seres vivos com características mais efi cientes para se adaptarem ao meio ambiente têm mais descendência e que os outros podem morrer antes de se reproduzirem, acabando extintos. E que todos provinham de um ramo comum. Não havia separação entre homens e animais. A teoria dava azo, mais tarde, à ideia de que o homem e o macaco tinham um antepassado comum. Se as teorias de Darwin foram polémicas na altura e marcaram as ciências naturais, hoje em dia, duzentos anos depois do seu nascimento, não deixam de alimentar calorosas discussões. A teoria evolucionista de Darwin serviu, contudo, de base das ciências biológicas contemporâneas. Charles Darwin morreu a 19 de Abril de 1882, em Downe, no condado de Kent.
Pode conhecer mais sobre a vida e legado de Darwin numa infografia disponível na página da Renascença na Internet, em www.rr.pt. )[...] “A evolução de Darwin” na Gulbenkian É inaugurada hoje, mas está a ser preparada há dois anos e reúne peças que estavam espalhadas por vários museus portugueses e outras feitas de encomenda. A exposição “A evolução de Darwin”, na Fundação Gulbenkian, mostra fósseis, esqueletos e desenhos, um caderno de apontamentos original e até animais vivos emprestados pelo Jardim Zoológico de Lisboa que recriam a aventura do primeiro cientista que ousou escrever que “O Homem descende do macaco”. O “Beagle”, por exemplo, é uma réplica encomendada do pequeno barco que transportou Darwin durante cinco anos em busca da origem das peças e que pertence ao Museu da Marinha. A viagem foi dura, com Darwin enjoado do primeiro ao último dia e num espaço onde mal se podia esticar. Neste barco, é possível ver “a biblioteca e sala de mapas” onde trabalhavam os três ocupantes durante o dia e onde “à noite, eles estendiam três redes, mas ele era mais comprido do que os outros e, por isso, tinha de tirar uma gaveta da cómoda para ter espaço para os pés”, explicou José Feijó, comissário da exposição. Quando chegou às ilhas Galápagos, encontrou uma exposição viva da sua teoria da selecção natural: “iguanas negras em ilhas basálticas, iguanas de cor em ilhas com outras cores. Isto é, onde os animais estão adaptados ao meio ambiente, verifi ca-se que houve uma divergência nas formas básicas, onde os animais não estão adaptados ao meio ambiente, vê-se que estes animais são exactamente idênticos às condições ambientais de onde vieram”, descreveu. Um contributo fundamental entre milhares que Darwin recolheu na sua longa jornada e que lhe permitiram escrever “A origem das espécies”. Os passos da vida de Charles Darwin estão em exposição até 24 de Maio, na Fundação Calouste Gulbenkian.
(Página 1)

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"Aprender a ver melhor" de José Tolentino Machado

Num ensaio com um título propositadamente polémico,“Contra a Interpretação”, (e a pergunta imediata é se isso é possível?), Susan Sontag reclamava, em vez da hermenêutica dominante, que empobrece e substitui o mundo por um cortejo espectral de signifi cados, o que ela chama uma erótica da leitura, que sirva (amorosamente, para permanecer no âmbito da metáfora) o objecto sem se substituir a ele. Sontag queria prevenir contra uma espécie de arrogância totalitária que a interpretação pode assumir, quando o mais necessário a uma prática da leitura seria simplesmente recuperar os nossos sentidos, aprendendo a ver melhor, a escutar melhor, a sentir melhor. Nesta linha, Sontag considerava exemplar o ensaio que Walter Benjamin dedicou, por sinal no crepuscular Verão de 1936, à fi gura do narrador nas novelas de Leskov. A escolha deste contemporâneo de Dostoevskij e de Tolstoj não é arbitrária, pois na ambiência rural de uma Rússia que conserva intacta a aura de sacralidade, Benjamin reencontra, no fundo, «o eco da tradição hebraica» e da sua própria voz. Na constatação de que o narrador vai fi cando cada vez mais distante, podemos pressentir o seu desgosto pelo mundo e a fractura civilizacional que nele divisa. O crepúsculo da arte de contar liga-se à incapacidade crescente de trocar uma experiência autêntica. Por isso, lamenta o filósofo, será cada vez mais raro encontrar pessoas que saibam contar uma história como se deve. A narração é uma forma precisa, profunda e artesanal de comunicação. O narrador toma aquilo que narra da experiência – a sua própria ou alguma que lhe tivesse sido referida – e transforma-a em experiência para aqueles que escutam a sua história. O que alenta a narração é a moral da história e o seu desfecho que abre para a questão: «E em seguida, e depois?». Não há narração à qual não se possa colocar a pergunta da sua continuação. Que valerão estas considerações na era da comunicação massiva e obsidiante?
(In "Página 1)

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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

"O Som das Palavras", edição especial

Na próxima sexta-feira (às18h), em 91.9, haverá uma edição especial de "O Som das Palavras" (www.somdaspalavras.pt.vu): vamos "cantar" o amor ao som de música e poesia.
... um dia ainda vou ser como tu.
túnica branca e um enxame de mariposas em perpétuo rodopio.
havemos de dar a volta ao mundo. com o ocre da velha utopia.
ler-te é um desmaio.
quando eu morrer.
saberás a razão:
morri de te amar em palavras (Alberto Serra)

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Pessoa indissociável da vida

Na fotobiografia de Fernando Pessoa agora lançada pela Temas e Debates, Richard Zenith sustenta que a obra literária do poeta modernista é indissociável da sua vida. Será realmente assim? O certo é que este livro, ao longo das suas 200 páginas, vai entrelaçando factos da vida com ideias sobre a obra. Isto é verdade tanto para a resumida mas abrangente biografia escrita por Zenith como para o rico conjunto de imagens compilado por Joaquim Vieira, que teve o cuidado de as reproduzir – sempre que possível – a partir das fontes originais. O resultado é sem dúvida estimulante, ainda que a tese de que Pessoa e a sua escrita são indestrinçáveis continue a ser discutível. O último capítulo, «O Poeta Que Ainda Vive», traça a história post-mortem da canonização de Pessoa, e o livro também oferece uma cronologia e uma notável genealogia. Apresentação marcada para 18 de Fevereiro às 18h30, na Casa Fernando Pessoa.

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

"Lapidações e outros horrores" de José Saramago

Hoje as minhas leituras de trabalho têm-me trazido outras vozes (fugindo quase sempre ao tema que estudo...enfim, paciência, daqui a pouco lá voltarei)
«A notícia queima. O mufti da Arábia Saudita, máxima autoridade religiosa do país, acaba de emitir uma fatua que permite (permitir é um eufemismo, a palavra exacta deveria ser impor) o casamento de meninas na idade de 10 anos. O dito mufti (hei-de lembrar-me dele nas minhas orações) explica porquê: porque a decisão é “justa” para as mulheres, ao contrário da fatua anteriormente vigente, que havia fixado em 15 anos a idade mínima para o casamento, o que Abdelaziz Al Sheji (esse é o nome) considerava “injusto”. Sobre as razões deste “justo” e deste “injusto”, nem uma palavra, não se nos diz sequer se as meninas de 10 anos foram consultadas. É certo que a democracia brilha pela inexistência na Arábia Saudita, mas, num caso de tanto melindre, poderia ter-se aberto uma excepção. Enfim, os pedófilos devem estar contentes: a pederastia é legal na Arábia Saudita. Outras notícias que queimam. No Irão foram lapidados dois homens por adultério, no Paquistão cinco mulheres foram enterradas vivas por quererem casar-se pelo civil com homens da sua escolha… Fico por aqui. Não aguento mais.» In http://caderno.josesaramago.org

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Português: língua de "tantos e bons"

Lendo um texto académico sobre o conceito de "polifonia", encontrei um exemplo retirado de um texto de Mia Couto que logo me transportou para outras paragens. Como ele diz: "É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente "
«Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta. A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou. Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica. Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio. No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas. Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro? Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua: • Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo? • No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco? • A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética? • O mato desconhecido é que é o anonimato? • O pequeno viaduto é um abreviaduto? • Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente. • Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu? • Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado? • Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação? • O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim? • Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"? • Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço? • Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro? • Mulher desdentada pode usar fio dental? • A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel? • As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"? • Um tufão pequeno: um tufinho? • O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha? • Em águas doces alguém se pode salpicar? • Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério? • Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose? • Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo? • Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca? Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português – o nosso português – na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana. Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.»

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

"Idade" de Fiama Hasse Pais Brandão

(Lúcia Letra)
Conheci dias duradouros,
o sol tão longo entre manhã e tarde.
Um levantar súbito de luz
por trás da crista das heras no muro velho,
e depois descer no verão entre grades verdes
e para além do portão como a cair no Hades,
no inverno. Não havia tempo
nos dias longos, mas a passagem diária
do sol abençoado.
Fiama Hasse Pais Brandão, in Três Rostos - Poemas Revistos

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"Línguas de Perguntador" de 4 de Fevereiro In "A Voz do Minho"

Caros leitores, as Línguas de Perguntador cá estão novamente…. Hoje vamos falar acerca de sonhos!... Não, não… não são esses! Não sejam gulosos! O que nos traz aqui hoje é, em específico, a interpretação dos sonhos. Mas já agora, sabem de onde surgiu a definição de sonho para o doce tão tradicional que todos nós conhecemos? Não sabem!? Nós também não! … Mas ficar-vos-íamos muito gratas se nos elucidassem, caso saibam! Voltando à “vaca fria”, ou seja, ao assunto que nos trouxe cá. Se é daqueles que está constantemente a sonhar com a morte de alguém, não se despeça! Ela não vai morrer, bem pelo contrário, dar-lhe-á saúde. E, se sonhar com a sua morte, não hesite, jogue no Euromilhões, pois tal sonho indicia riqueza. Mas não sonhe com essa mesma riqueza, incluindo dinheiro, pois, se tal acontecer, é provável que tenha 3 dias de azar! E, já agora, não entre em estado de pânico se sonhou que estava preso com algemas, pois tal indicia sucesso amoroso. E, como tal, se sonhar você ou a sua companheira que está a comer azeitonas ou a passear em longos jardins, sinta-se feliz, pois a sua família irá aumentar, vindo para este mundo mais um recém-nascido … tais sonhos indicam gravidez. Estão a gostar? Sabemos que sim, mas por agora é tudo! ... Vá, vá lá, pronto, não chorem!... Nós dizemos mais uma! Mas depois vão ter que nos dar um sonho! Porque, sim... nós somos gulosas. E, porque é para acabar em grande, se quer ver todos os seus desejos realizados em breve, é bom que sonhe que chora compulsivamente. Por agora é tudo. Esperamos que tenham gostado… (- “Felizmente que acabou”, murmuram vocês) – é de frisar que nós ouvimos isso, caro leitor, é que até costumamos dizer que temos “ouvidos de tísico”. E, mesmo não merecendo saber o significado desta expressão, nós explicámo-lo: esta expressão surgiu antes da II Guerra Mundial, quando muitos jovens sofriam de uma doença chamada tísica, ou seja, tuberculose. As pessoas que sofriam desta doença tornaram-se muito sensíveis, manifestando uma notável capacidade auditiva. Portanto “ter ouvidos de tísico” significa “ouvir tão bem como aqueles que sofreram de tuberculose”. Por hoje é tudo e até para a semana… Ah, é verdade, não se esqueçam dos nossos sonhos!!! CLP – Ana Rita Arantes e Natália Soares (11º C)

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Hoje, porque sim.

"Os tristes acham que o vento geme;os alegres acham que ele canta" (Luiz Fernando Veríssimo)

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"Línguas de Perguntador" de 28 de Janeiro In "A Voz do Minho"

Caros leitores, bem-vindos a mais uma rubrica semanal das Línguas de Perguntador. Certamente não nos esqueceremos do passado dia 9 de Janeiro, em que acordámos com a cidade de Barcelos coberta de branco. Saiba que não nevava na nossa cidade há mais de duas décadas, mas prepare-se pois ainda a procissão vai no adro, ou seja, ainda há muito Inverno pela frente, mas aquele dia deu para embandeirar em arco. Esta expressão significa ter manifestações efusivas de alegria e tem origem na Marinha: em dias de gala, ou simplesmente festivos, os navios embandeiram em arco, isto é, içam galhardetes e bandeiras pelos cabos de embandeiramento, quase até ao topo dos mastros, indo um dos seus extremos para a proa e outro para a popa. Assim são assinalados esses dias de júbilo e se saúdam outros barcos que se manifestam da mesma forma. Voltando ao dia de neve. Os condutores que circulavam na estrada devem ter desabafado muitas vezes “Que massada!”. Esta expressão é usada para referir uma tragédia ou contra-tempo e é uma alusão à fortaleza de Massada, na região do Mar Morto, Israel, reduto dos Zelotes, onde estes permaneceram anos resistindo às forças romanas após a destruição do Templo em 70 d.C., culminando, de acordo com relato do historiador Flávio Josefo, com um suicídio colectivo de forma a evitar a rendição. Voltando ao dia de neve. Foi uma coisa do arco-da-velha o que se passou, pois muitas das gerações barcelenses mais jovens nunca tinham visto nevar na sua terra. Uma coisa do arco-da-velha é algo inacreditável, absurdo, espantoso, inverosímil. A expressão tem origem no Antigo Testamento: arco-da-velha é o arco-íris, ou arco-celeste, e foi o sinal do pacto que Deus fez com Noé: "Estando o arco nas nuvens, Eu ao vê-lo recordar-Me-ei da aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra." (Génesis 9:16). Arco-da-velha é uma simplificação de Arco da Lei Velha, uma referência à Lei Divina. Há outras histórias populares que defendem outra origem da expressão, como a da existência de uma velha no arco-íris, sendo a curvatura do arco a curvatura das costas provocada pela velhice, ou outras que remetem para propriedades mágicas do arco-íris. Voltando ao dia de neve. Mágico foi o cenário que a neve nos ofereceu nesse dia. Para a semana conte com novas “Línguas de Perguntador”. Aproveite bem o tempo e, com sorte, a magia da neve voltará! CLP – Adriana Alves, Ana Campinho, Sara Silva e Sofia Carvalho (12ºE)

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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Hoje, porque sim.

(André Viegas)
Há dias em que só apetece fugir dos dias.
(Carlos Silva)

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domingo, 1 de fevereiro de 2009

" É noite e roubaram-me os olhos" por Ana Andrade

Nota da autora: Este texto foi escrito na sequência de um relato da professora Elisabete Gonçalves sobre uma notícia da morte de várias pessoas numa mesma casa, devido à guerra em Gaza, tendo sido encontradas algumas crianças vivas no meio de todos aqueles mortos…
«Foi extremamente inquietante imaginar as crianças feridas, rodeadas de mortos que lhes eram tão queridos, imaginar o medo aterrador, a imensa tristeza pela perda, a incompreensão e a revolta! Este texto é um grito! Um grito inconformado. Um grito desiludido. Um grito emocionado. Sabemos que não somos capazes de orientar os ventos, mas queremos ajustar as nossas velas...» (Elisabete Gonçalves)

É noite e roubaram-me os olhos

São onze horas e vinte e sete minutos. O sol queima lá fora. Estou sentado no chão da cozinha a brincar com um pedaço de madeira e um retalho de tecido que sobrou da confecção das calças novas do pai. A Mãe está ao meu lado, sentada na mesa da cozinha, a falar com a Avó que nos veio visitar. A esta hora estamos todos em casa: a Mãe prepara o almoço, os irmãos mais velhos voltam do trabalho nos campos para almoçar, a Avó ajuda a Mãe na cozinha e o Avô está sentado na sala a ouvir rádio. A pequena Souad está ao meu lado, a ver-me brincar. Tem apenas dois anos, mas já me olha como gente crescida. Fixa-me com os seus grandes olhos negros e mantém-se imóvel, como que tentando dizer-me que quer brincar comigo. Aceno-lhe e ela aproxima-se. Só falta o Pai. Não chega do trabalho e a Mãe começa a impacientar-se. Ela e a avó falam do assunto proibido: a guerra. Percebo-o pelos seus gestos, expressões e pelo ambiente pesado que tomou conta da cozinha.

Ouve-se o portão da rua abrir bruscamente e, inconscientemente, a Mãe leva a mão à barriga para sentir o seu mais novo filho que está para nascer. Vejo o Avô entrar na cozinha a correr e espreitar pela janela, para depois fazer sinal à Mãe e à Avó para subirem para o sótão. Não percebo o que se passa. A Mãe agarra na Souad e pega-lhe ao colo, a Avó chama-me e vamos todos para cima excepto o meu irmão mais velho que fica com o Avô. Continuo sem perceber o que se passa.

Estávamos a subir as escadas para o sótão quando volto para trás, num impulso, para buscar o pedaço de madeira e o retalho de tecido que abandonara no chão da cozinha. Ninguém repara em mim. Estão todos preocupados em levar os meus irmãos para o sótão. Quando chego à porta da cozinha, vejo um grupo de homens a arrombarem a porta. O Avô diz-lhes qualquer coisa que não consigo distinguir e o meu irmão mais velho trava-lhes a entrada. Trazem armas consigo e depressa derrubam o meu irmão e se infiltram na cozinha, onde começam por atirar ao chão as panelas onde a mãe fizera, com tanto cuidado, a comida para todos. Vejo o meu irmão sangrar pela cabeça e, de repente, começo a entrar em pânico. Os homens não fazem perguntas nem dão respostas, simplesmente continuam a destruir tudo o que lhes aparece à frente. É então que o Avô os tenta impedir e um dos homens atira sobre ele sem dó nem piedade. Vejo o seu corpo velho tombar no meio do chão da cozinha. O seu corpo. O seu corpo rígido, deitado no meio do chão, escorrendo um fio vermelho de vida pela cabeça. As suas mãos. As suas mãos a deixarem-se vencer e a deixarem abrir os punhos cansados. O meu avô. O meu avô morto.

O meu irmão debruça-se sobre ele e chora. Torna-se, de repente, num menino, tal como eu. Tem medo, mas a raiva nos olhos não permite que esse pavor transpareça. Quer mostrar-se forte! Quer defender a família!

Um dos homens que nos invadiram a casa aponta-lhe uma arma à cabeça. O meu irmão prostra-se de joelhos e pede piedade. Quer ele lá saber de honra e de coragem! Neste momento é apenas um menino com medo. Muito medo… Não quer morrer, é só isso que sabe. Os homens riem-se dele e os seus risos ecoam pela casa, entretanto vazia. Parecem autênticos atentados à humanidade. E, de repente, na casa onde reinava a paz, só se ouvem os gritos de desespero do meu irmão e os risos despegados de compaixão dos homens que nos destroem a casa.

É então que começam a espancar o meu irmão, indefeso. Vejo o sangue pintar todo o chão da cozinha e nada me parece real. Gotas de sangue saem-lhe da boca e misturam-se com o sangue do avô. Unem-se, misturam-se, enlaçam-se, confundem-se, fundem-se… De súbito, um dos homens agarra-o pelo cabelo e obriga-o a rastejar à volta da cozinha.

Quem são estes homens? Almas que se apoderaram de um corpo para se libertarem de todo o rancor que trazem consigo, matando e espezinhando os seus semelhantes? E actuam em nome de quê? Atrás de que Deus ou de que Governo ir-se-ão esconder para justificar a perversidade dos seus actos? Teria Alá ou qualquer outro Deus consentido com tanta atrocidade e desumanidade? Odeio-os. Odeio-os porque mataram o meu avô e humilharam o meu irmão. Odeio-os porque invadiram o meu lar e semearam nele o caos e a discórdia. Odeio-os porque se riem da sua crueldade. Odeio-os porque não são homens, são monstros! Odeio-os!

Um dos homens ordena ao meu irmão que arraste o corpo do meu avô até lá fora. E ele chora. Chora porque tem medo, e o medo tirou-lhe toda a candura do olhar. Chora porque o desespero é maior que o sentido de dignidade. Chora porque não quer morrer. O meu irmão agarra o meu avô pelos tornozelos e chora. Irritado, um dos homens bate-lhe com a arma nas costas e vejo o meu irmão cair por terra. Logo é levantado pelos cabelos e obrigado pelos carrascos a apressar-se. O meu irmão é obrigado a carregar o meu avô às costas até lá fora, assim como o Filho do Deus Cristão foi obrigado a levar a cruz até ao calvário. Deposita o corpo rígido do meu avô no meio do jardim e obrigam-no a colocar-se de joelhos. Depois, sem pestanejar, um dos homens dá-lhe um tiro na cabeça e o meu irmão cai por terra, com os olhos abertos e a cabeça voltada para mim. Por momentos, podia jurar que me observava e que chorava… Chorava… Chorava… Chorava. Um morto a chorar.

O medo fez-me subir as escadas e refugiar-me no sótão. A Souad faz uma birra porque não quer estar no sótão. Diz que o pó que lá se acumulou ao longo dos anos pertence aos mortos que não obtiveram paz depois de terem partido. Cisma que ouve todas as noites os gritos de desespero e escárnio de todos aqueles para quem a vida se transformou numa recordação. Não sei quem lhe disse tal coisa, mas o certo, é que está convencida de que se trata mesmo de mortos e não quer lá estar. Agacho-me num canto do sótão, mesmo ao lado da Mãe e da pequena Souad, enquanto ouço alguns dos meus irmãos, a Avó e a Mãe a chorarem porque ouviram os tiros. Porque de repente deixaram o seu medo da morte falar mais alto.

Ouve-se uma enorme explosão e sinto o chão debaixo de mim desabar. A casa, nosso porto de abrigo, acabara de se desmoronar e, com ela, toda uma família. Depois da explosão, os corpos da Avó, dos meus irmãos… Os seus corpos que jazem. Os seus corpos que não mais voltarão a ver a luz. Os seus corpos.

A Mãe está deitada ao meu lado e tem a pequena Souad encostada a si. Ouço a sua respiração começar a abrandar. Sangra. Vejo sangue a sair-lhe das saias e percebo que perdeu o bebé. Que perdeu o meu irmão! Reparo, ainda, numa ferida que lhe abre o peito. Arrasto-me por debaixo do entulho para junto dela e, com as minhas mãos pequeninas, tento estancar-lhe a ferida que jorra do seu peito. Mas o sangue não pára de jorrar e as minhas lágrimas misturam-se com aquele líquido vermelho que lhe dá vida. Tenta falar comigo, mas não consegue pronunciar nada. Sangue começa a manchar-lhe a boca e respirar torna-se-lhe mais difícil. Olha-me e noto que tenta sossegar-me com o olhar… Estende, a todo o custo a mão, e agarra na minha. Momentos depois, o ar deixa de entrar-lhe no corpo, o sangue começa a jorrar-lhe pela boca e pelo peito, imparável, e os seus olhos perdem-se no vazio. As minhas mãos não chegam para estancar-lhe a ferida que lhe abre o peito. As minhas mãos não são suficientes… De repente, já não olha para mim, já não me agarra na mão. Tento que fale comigo porque, de súbito, o silêncio dá-me medo, mas ela não responde. Temo que a tenha magoado enquanto tentava estancar-lhe a ferida com as mãos. Temo que esteja zangada porque desrespeitei uma ordem sua e fui buscar o pedaço de madeira e o retalho de tecido à cozinha. Temo que esteja tão zangada que não mais me fale, não mais me olhe… E sinto-me só. Porque se calou ela? Imploro-lhe que não se zangue comigo e prometo-lhe que nunca mais lhe desobedeço. Mas ela não me responde… Os seus olhos parecem aves a afastar-se para o horizonte. A cor e a vida escorrem-se-lhe do olhar ao mesmo tempo que as aves se afastam. Levaram-lhe os olhos para longe e não mais voltarão! Um último suspiro solta-se-lhe da boca e a sua mão cai. Os seus olhos deixam de estar fixos em mim e perdem-se no vazio. Perdem-se no vazio… Perdem-se no… Perdem-se… Os seus olhos levados pelas aves. Os seus olhos.

Depois da explosão, o silêncio. O silêncio. Não sei quanto tempo passou. Só sei que quando o Pai apareceu e começou a vasculhar nos escombros, juntamente com muitos outros homens, já anoitecera. Ouvia-o chorar. Algum tempo depois, olhei para cima do monte de entulho que tinha à minha volta e vi surgir uma luz. Tinha sido encontrado!

De todas as pessoas que se encontravam na casa, poucas foram resgatadas com vida, incluindo eu e a pequena Souad. Ainda hoje me lembro dos olhos da Mãe e essa imagem não me sai da mente: olhos vivos e amedrontados que, de repente, deixam de me olhar e de estar de encontro aos meus, para se perderem no vazio. Só me lembro dos seus olhos e do sangue que pintava tudo de vermelho. E só consigo odiar aqueles homens que ma tiraram. Só os consigo odiar e desejar que aconteça com as suas famílias, o mesmo que aconteceu com a minha: que se despedacem! Deixei de crer. Deixei de acreditar em Alá. Deixei que a sede de vingança tomasse conta do meu corpo frágil e pequeno. Vou lutar, vou fazer guerra, porque de repente a paz deixou de fazer sentido para mim.

São sete horas e catorze minutos, é noite, e só consigo odiar aqueles homens que roubaram os olhos da minha Mãe e os encaminharam para o vazio… Aqueles homens que me arrancaram os olhos.

Ana Andrade

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